O portal Mais Minas conversou com o técnico de futebol, Thiago Larghi, que já treinou o Atlético durante o período de fevereiro a outubro de 2018, deixando o time no G-6, e o classificando para a pré-Libertadores. O treinador também trabalhou com Carlos Alberto Parreira e Felipão na Seleção Brasileira, durante a Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Veja a entrevista completa:
Início da Carreira
MM: Você teve o início da sua carreira em um grande clube em 2011, quando foi analista de desempenho do Botafogo. Como foi essa primeira experiência? Como foram seus primeiros passos dentro do futebol profissional?
Thiago Larghi: Eu joguei até os 19 anos nas divisões de base e dentro do futebol amador. Sempre tive dentro de campo, vestiário, esse tipo de ambiente. Mas perto dos meus 20 anos eu decidi estudar. Então, eu fiz um curso que foi pela Associação Brasileira de Treinadores de Futebol e iniciei os estudos com o Jairo dos Santos, que foi observador da Seleção em oito Copas do Mundo. Ele viu meu interesse em analisar o jogo, me abraçou, me deu oportunidade e dali eu investi. Até ajudei ele na preparação para a Copa de 2006 durante um período, com amistosos e eliminatórias, principalmente. Mas já em 2011, meu primeiro trabalho efetivo em um clube foi no Botafogo, e aí sim foi como analista de desempenho. Em 2012 também, 2013 eu fui para a Seleção Brasileira e após a Copa de 2014, eu fui para a Itália estudar. Foi aí então que eu fiz o curso da UEFA, em que eu já pensei em voltar para o Brasil não sendo mais analista de desempenho, pois já tinha entendido que já foram 10 anos de trabalho na análise, e aí era a hora de me tornar auxiliar técnico.
MM: Como surgiu esse convite para a Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 2014? Como você encarou esse desafio tão importante que era preparar um time para disputar uma Copa em casa?
Thiago Larghi: Ali foram muitos anos de investimento e de trabalho, através do Jairo junto do Parreira. Então eu já conhecia o Parreira de trabalhos realizados com e para ele desde 2005. Ele dava palestras fora do país e eu sempre estava junto dele ajudando. E o trabalho que a gente fazia no Botafogo, também, naquela época era bom, então a resposta foi boa, tanto do Caio Junior quanto do Oswaldo. E isso deu confiança para o Parreira na hora que ele, junto do Felipão, assumiram a Seleção e me fazer um convite.
MM: Na Copa de 2014, como foi a preparação para enfrentar os alemães? Por que não deu certo? Com Neymar seria diferente?
Thiago Larghi: Certamente a presença do Neymar e do Thiago Silva, capitão naquela época, naquele jogo ali fizeram falta. Mas o que aconteceu foi uma coisa que é inexplicável se a gente analisar os detalhes. O Felipão tinha 29 jogos, até aquele momento, e eram apenas duas derrotas. Então não era uma campanha em que o Brasil vinha com futebol mal jogado ao extremo. Vinha em uma crescente. Tinha pouco tempo de trabalho, mas ele tinha 29 jogos e duas derrotas, naquele momento. Então o que aconteceu ali naquele dia foi algo que todos nós lamentamos, pelo futebol brasileiro. Mas o Felipão, depois, seguiu, foi para fora do país, para a China e ganhou títulos chineses em seguida, venceu a Champions League asiática, depois venceu o Campeonato Brasileiro aqui ano passado, e mostrou que é um grande treinador e que tem qualidade. Então, acredito que o futebol brasileiro abriu os olhos. A partir disso, os trenadores brasileiros passaram a estudar mais e ter mais troca de informação, e o Brasil precisa estar sempre atualizado e fazer amistosos e jogos contra seleções boas, porque acho que isso vai ser importante para o Brasil estar competindo em alto nível, para não ser pego de surpresa em jogos de Copa do Mundo.
MM: Após isso, você mudou para a Alemanha, para fazer um estágio com Pep Guardiola no Bayern de Munique. Como foi ver de perto um gênio de futebol e o que deu para aprender com ele?
Thiago Larghi: Foi uma experiência muito rica, na época eu estava morando na Itália e surgiu a oportunidade de visitar o Bayern. Na época eu estava fazendo a transição do meu trabalho de análise para auxiliar técnico, e fui acompanhar de perto o profissional que fazia isso para o Guardiola. Lá eu vi um centro de análise com seis profissionais, com funções muito bem definidas, e a capacidade de entendimento deles já está um passo a frente. Eu acho que, por trocarem mais informação, a UEFA deu um passo na formação de treinadores. Não é que o nível e a qualidade do profissional brasileiro seja diferente, mas eu acho que a capacitação que a UEFA promoveu lá favoreceu o desenvolvimento do jogo. E aí é claro, o Barcelona já com uma escola bem definida, com aquilo que seria o padrão do Cruyff (ex-jogador e técnico do Barcelona), com toda a evolução das divisões de base, eles tinham um modelo de jogo muito bem definido e conseguiram executar com alto nível. Para mim, foi muito importante a questão da saída de bola, da construção do jogo, a criação dos espaços e a integração que eles tinham entre preparador físico e a comissão técnica, em que desde o início, a atividade física já era vinculada para a atividade principal. De modo bastante efetivo, um trabalho bem objetivo dentro do campo, bem curto, com cerca de uma hora, uma hora e dez no máximo. Então eu vi algumas coisas que, no ano passado, na oportunidade de ser treinador, a gente tentou implementar no Atlético. Uma equipe que construía a bola, tinha um ataque bem efetivo. Eu lembro no dia que eu fui demitido, era o ataque mais efetivo do Brasileiro. Mesmo com a troca de jogadores que todos viram que aconteceu com o nosso time na temporada passada.
MM: Você retornou ao Brasil para trabalhar ao lado de Oswaldo de Oliveira. De alguma forma, você se identificou com o trabalho deste treinador? Como funcionava esse trabalho junto dele?
Thiago Larghi: O Oswaldo era uma referência que eu tinha em termos de liderança, acho que a maneira dele de gerir o grupo foi muito positiva. O que eu vi dele no Botafogo, e depois quando consegui trabalhar com ele como auxiliar técnico no Sport, no Corinthians e no Atlético, foi muito proveitoso sim. Eu lembro de quando a gente chegou ao Atlético, no final de 2017, a gente estava com uma pontuação próxima a zona de rebaixamento e aí conseguimos duas ou três vitórias seguidas, e eliminamos o risco de rebaixamento e, por pouco, não classificamos o time para a Libertadores de 2018. Se fosse considerado só o período do Oswaldo, teria classificado. Então foi uma pessoa que aprendi muita coisa em vestiários, sobre questão de jogo, que gostava de jogar ofensivamente, e isso eu via como muito positivo. Porque, na hora que assumi o Atlético, uma das coisas que procurei valorizar foi a intensidade, principalmente nos jogos dentro de casa. Nossa equipe marcava alto. Quem acompanhava do estádio, sabia que não deixávamos nosso adversário respirar. Obviamente, tivemos nossas falhas ali, mas a campanha de G-6 o tempo todo da competição, foi com saldo muito positivo, porque uma vaga para a Libertadores, para o clube, é muito importante, pois existe a questão financeira, atletas que se interessam pelo time sabendo que terão a oportunidade de jogar a Libertadores, e existe a questão de jogar a Copa do Brasil já entrando nas oitavas de final, e, classificando em terceiro na Libertadores, você já garante vaga nas oitavas, também, na Sul-Americana.
Atlético
MM: Agora, já em 2017, Oswaldo e você trabalharam em conjunto no Atlético, se preparando para a temporada 2018. Logo em março, Oswaldo é demitido e você assume, interinamente, o que veio à sua cabeça? Você enxergou aquela como sua grande oportunidade?
Thiago Larghi: Sinceramente, eu achei que viria outro treinador, logo em seguida. O que não aconteceu. Aí, em sequência, conseguimos boas vitórias. Foi uma contra o América, contra o Botafogo na Paraíba, e acho que isso amenizou a pressão da diretoria de ter que contratar outro treinador, e aí eles não tiveram pressa. Eu fui trabalhando jogo a jogo, porque com a minha função de auxiliar do clube, eu sabia que o que eu precisava era de entregar o melhor trabalho para o Atlético e agradecer pela oportunidade de continuar no clube. Então eu tinha os pés bastante no chão. De saber que o momento era aquele, e eu estava vivendo treino a treino, jogo a jogo, e era exatamente o que eu dizia na época, se ‘se acontecesse de me efetivar, seria uma sucessão natural’. Então, eu acho que a grandeza que é o clube do Atlético e eu como auxiliar na época, eu fiquei muito contente de representar bem o clube, e foi isso que me deixou feliz naquele momento.
MM: Até a parada para a Copa do Mundo, o Atlético vinha bem, com Roger Guedes voando no time e tudo mais. O retorno da temporada do Galo foi ruim por causa das peças novas de reposição?
Thiago Larghi: O principal ponto, no meu modo de ver, é que o Atlético vinha de um ano muito difícil de 2017. Por não ter classificado para a Libertadores, o time teve que desfazer de muitos jogadores, e não tinha dinheiro para contratar outros jogadores, a ponto de escolher e determinar, por exemplo, um passe fixado para a vinda do Roger Guedes. Então acredito que parte das dificuldades que o clube passava. Porque se a gente consegue fixar o passe do Roger Guedes, por exemplo, isso seria muito mais possível de mantê-lo no grupo até o final da temporada, e aí o Atlético comprando os direitos dele, poderia revender por um dinheiro muito maior. Acredito que o próprio clube queria que fosse assim. Mas a dificuldade que foi aquele início de ano, não possibilitou o clube ter muitas manobras, e isso aí faz parte de uma sucessão. Então assim, eu vejo que foi uma situação de mercado e aí a gente perdeu, infelizmente, o Bremer, que também era um zagueiro rápido e foi vendido para o Torino. O Otero saiu para um time da Arábia Saudita, por empréstimo. E aí a gente também teve a lesão do Blanco, que dificultou bastante nosso meio campo. E no momento, ainda, o Adilson ficou dois meses fora, por conta de uma lesão na panturrilha. E, para completar minha perda no meio campo, o Cazares estava envolvido em uma possível negociação, e aí ele foi tirado do nosso time. Então tivemos que remontar o nosso meio de campo, e fazer isso com um time que tenta propor o jogo é muito difícil, pois os trabalhos requerem meses e anos e a gente estava num período curto.
MM: Você chegou a dizer em uma coletiva que o Atlético não vence o Campeonato Brasileiro desde 1971, e perguntou o por quê era obrigação sua agora de vencê-lo? Você se arrepende de ter dito isso? Acha que de alguma forma pegou mal para a torcida?
Thiago Larghi: A minha fala teve a intenção de tirar a pressão de nós vencermos o Campeonato Brasileiro daquele ano. Desde o momento em que assumi, eu tinha dito nas entrevistas, que todas as conversas com a diretoria, a meta do ano era se classificar para a Libertadores, era estar dentro do G-6. Porque, na sucessão de um trabalho, é que eu acredito que se vença um campeonato como esse. É quando um clube se arruma estruturalmente, financeiramente e aí ele consegue aportar jogadores capazes de vencerem o ano. Então eu acho que ano passado não era uma ano para a gente pensar em título. Minha intenção foi, simplesmente, passar uma mensagem de pé no chão. O Atlético é um gigante, o Atlético é muito grande. Então foi somente essa a intenção de ter paciência naquele momento. E acredito que pela grandeza da sua torcida, da grandeza de potencial desse clube, com um CT espetacular, o Atlético caminha para que seja sempre um time de ponta no futebol brasileiro e conquiste muito mais títulos no futuro.
MM: Você acha que o Atlético é uma máquina de queimar treinadores? Por que um treinador não consegue ter um trabalho longo no Galo? Você também acha que a demissão de Rodrigo Santana se assemelha muito com a sua?
Thiago Larghi: Eu acho que os contextos foram bem diferentes (entre 2018 e 2019). Acho que a montagem do plantel de 2018 foi muito difícil. O Atlético sequer comprou um jogador naquela época. Diferente de 2019, em que, com a classificação para a Libertadores, possibilitou isso. Eu lamento que não tenham dado o suporte necessário para a continuidade do nosso trabalho, tendo em vista que estávamos dentro da meta, definida em conjunto com a diretoria, de estar no G-6. A gente ficou grande parte do campeonato com uma distância muito grande até para o sétimo colocado, o que mostrou que a gente ficou brigando o tempo todo lá em cima. Então lamento, porque, quem acompanhava de perto, viu a evolução dos jogadores, a evolução do nosso padrão de jogo. Alguns jogos em que a gente não venceu, como Chapecoense em casa pela Copa do Brasil, a gente fez uma belíssima partida, o jogo contra o San Lorenzo em que a gente também empatou em casa, a gente também fez uma belíssima partida, impondo nosso jogo, tivemos até um lance claro de pênalti que o juiz não deu a nosso favor e que, se tivesse VAR, não teríamos sido eliminados como aconteceu, porque o gol na Argentina estava impedido. Então são muitos detalhes em que a gente vê a sequência de desempenho aumentando e melhorando. E aí sim, como eu falei, os títulos são frutos dessa sequência.
MM: Você deixou o Atlético com 51 jogos, 25 vitórias, 12 empates e 14 derrotas, aproveitamento de 56,86%, com o Galo no G-6. Foi injusta sua demissão? Foi muito decepcionante para você?
Thiago Larghi: Para a gente que está envolvido com o futebol no Brasil, trata-se até com uma naturalidade. Não sei se é apenas uma defesa nossa, mas eu vi com naturalidade na época. Procurei torcer pelo grupo de jogadores e pela torcida, que nos apoiou tanto. Então não cabe a mim avaliar se foi justa ou injusta a demissão, no futebol a gente sabe que esses termos são muito sutis. Então procurei estar de cabeça boa, e que aquilo que entreguei ao clube foi o melhor que a gente podia naquele ano.
Futebol brasileiro e projeções
MM: Você teve sondagens do Vasco e, também já saiu na imprensa que o América, em algum momento, também tinha interesse em te contratar. É verdade? Se foi, quais os motivos de não ter dado certo a sua ida para um dos dois clubes?
Thiago Larghi: Eu recebi algumas propostas, mas junto de meus representantes, na época, acreditei que não era o momento. Entendi que ainda era tempo da minha preparação, de estudar e me aprimorar mais. A gente tentou com alguns clubes, e queríamos que acontecesse, mas as coisas não deram certo por outros motivos. E entendi também que fazia parte do meu processo de aprimoramento e de preparação profissional, aguardar e não, simplesmente, pegar um clube de qualquer maneira, em qualquer condição, achando que a gente ia conseguir fazer um trabalho de uma hora para outra. Mas estou aberto sim para propostas e me preparando muito, para conseguir fazer um segundo trabalho bem positivo e acredito que, assim que a gente acertar algo, coisas boas vão acontecer.
MM: Como você enxerga o futebol brasileiro hoje? Jorge Jesus, em pouco tempo, arrumou o Flamengo, Sampaoli fez o mesmo no Santos. Com toda sua bagagem internacional, você acha que o futebol no Brasil ainda é atrasado?
Thiago Larghi: O que a gente vê são belos trabalho dos estrangeiros, são treinadores muito capacitados. O caso do Jesus é um caso bastante interessante, porque tem toda a dificuldade de vir e conhecer um grupo e, com pouco tempo, conseguir atingir resultados expressivos. Mas, por outro lado, já existe uma base do clube de preparação em nível de estrutura necessária para ele (Jorge Jesus) executar o trabalho que realiza. Então, como eu falei, eu acredito muito que os planejamentos e a preparação de um clube como um todo é o que vai fazer um clube brigar por títulos grandes, como é o caso do Flamengo.
MM: E sobre a aproximação do futebol brasileiro com o europeu, tendo times mais ricos no topo, os endividados mais embaixo, o futuro do futebol brasileiro é realmente esse de se ter apenas dois ou três disputando títulos? Isso é bom ou ruim?
Thiago Larghi: Eu não acho que haja uma polarização a esse ponto de termos apenas três times disputando o título do Campeonato Brasileiro, mas é verdade que a melhor preparação, a melhor gestão do clube como um todo e a montagem do plantel são muito importantes para você fornecer matéria prima para o desenvolvimento do jogo. Então, eu vejo que o Flamengo faz com muita qualidade isso, é admirável o trabalho. Eu tive um mês agora em Portugal, durante meu período de preparação, e eu vi um trabalho bastante importante em desenvolvimento do jogo, qualidade do jogo, velocidade, intensidade, tudo isso bem próximo do que o Jesus está conseguindo fazer. E isso é possível. Torço para que o futebol brasileiro tenha, cada vez mais, competição de alto nível, porque isso faz com que chegue forte na Libertadores, para conseguir mais títulos internacionais. Acho que é uma tendência se preparar e se organizar bem, e os clubes precisam tocar bem nessa linha.
MM: Quais são suas pretensões hoje? Pretende voltar a treinar algum clube? Alguns times já entraram em contato com você?
Thiago Larghi: A gente tem estudado algumas possibilidades, o ano está terminando então vão acontecer mexidas. Então eu estou muito afim de voltar a trabalhar. Acho que o período de preparação está se aproximando do fim e é questão de estudar bem algum projeto, dar o passo correto, porque o futebol brasileiro tem muita qualidade para poder mostrar. Eu acredito que é muito possível vencer jogando bem, e acho que é isso que o torcedor gosta de ver.
MM: Retornaria ao Atlético algum dia?
Thiago Larghi: Claro. Eu espero que eu tenha saído deixando as portas abertas, e que tenha representado bem as cores do clube. Foi uma experiência muito rica e eu vejo que é um grande clube e que tem uma torcida imensa, uma torcida maravilhosa, que apoiava demais e que fizemos jogos memoráveis no Independência junto dela. E além disso, o clube tem uma estrutura, uma capacidade de atrair jogadores de alto nível, então eu vejo, que se futuramente isso acontecer, será uma honra defender as cores do Galo.