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Subsídio da Prefeitura de Ouro Preto à Rota Real pode acabar com o táxi-lotação

O Município criou uma lei para subsidiar a diferença do reajuste da passagem apenas para a empresa de ônibus.
24/03/2022 às 17:50
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14 min
Foto: DIvulgação/Rota Real
Foto: DIvulgação/Rota Real

A terceira Audiência Pública da Câmara de Ouro Preto, realizada na quarta-feira, 23 de março, tratou sobre a qualidade do transporte coletivo feito pela Rota Real. Porém, em quase quatro horas, vários assuntos foram discutidos, principalmente o fato da Prefeitura Municipal ter encaminhado à Casa Legislativa o Projeto de Lei 407/2022, que autoriza a concessão de subsídio tarifário ao serviço público de transporte coletivo urbano de passageiros da cidade, visando suprir o reajuste de 40% que foi decretado pelo Município, em cumprimento com o contrato de concessão firmado junto à empresa, e manter o valor da passagem, que é R$ 3,35 atualmente.

O subsídio da Prefeitura de Ouro Preto afeta os motoristas de táxi-lotação, já que para o serviço de transporte alternativo, o valor da passagem permanece o mesmo e não há subsídio por parte do Município. O procurador geral da administração municipal, Diogo Ribeiro, explicou durante a Audiência Pública que o táxi possui uma legislação de regulamentação do serviço diferente em relação ao do ônibus e que, por isso, o valor segue o mesmo, sem cobertura da prefeitura, mesmo com os reajustes nos valores dos combustíveis.

“A nossa relação jurídica com o serviço de táxi é outra, chamamos o táxi para a discussão, solicitamos que eles fizessem uma conversa primeiramente com a concessionária e o objetivo é trabalhar na integração para que ganhe tanto o táxi quanto a concessionária e, principalmente, que se tenha o foco no cidadão. O transporte coletivo não é viável financeiramente para colocar um carro grande, com enorme custo, em uma determinada linha, então por que não ser uma forma do táxi-lotação trabalhar?”, declarou Diogo Ribeiro.

O representante jurídico do Sindicato dos Taxistas de Ouro Preto, Alcione de Castro, rebateu a fala do procurador, ressaltando a necessidade de haver o reajuste e o subsídio para o serviço de táxi-lotação se manter na cidade, assim como no caso dos ônibus da Rota Real.

“Evidentemente, a natureza contratual do serviço de táxi-lotação é totalmente diferente do transporte coletivo. Entretanto, é inquestionável a necessidade da revisão dos preços das tarifas do táxi-lotação que é determinado pelo Município. As mesmas aflições que uma empresa gigante passa, nós passamos piores. Não podemos deixar o táxi com o preço antigo e a concessionária com o preço novo e ainda subsidiado”, rebateu.

O táxi-lotação atua em Ouro Preto desde 1996, quando o atual prefeito da cidade, Angelo Oswaldo (PV), estava em seu primeiro mandato e regularizou o serviço. Segundo o motorista Renato Gomes, que teve a palavra durante a Audiência Pública, o intuito da opção alternativa de transporte coletivo era de diminuir o monopólio da empresa responsável pelos ônibus no município.

Renato Gomes teme que, com a subvenção para a Rota Real, o táxi-lotação acabe depois de mais de duas décadas de serviços prestados na cidade e que mais de 20 pais de família fique desempregados em Ouro Preto.

“É uma surpresa muito grande para mim constatar que nós do táxi-lotação não estamos nesse projeto de subsídio. Temos a mesma dificuldade e temos quatro passageiros para transportar, com sorte. Se alguém está tomando prejuízo desde o início da pandemia somos nós, taxistas. Faltou ônibus, o táxi está lá. Sobre rotas alternativas, é algo viável e plausível, mas precisamos incluir a opção de colocar um veículo um pouco maior para atender. Se passar o subsídio para a empresa e para o táxi não, o táxi-lotação vai acabar, porque ninguém vai querer andar no serviço mais caro”, declarou o motorista.

Diogo Ribeiro justificou que o reajuste é uma demanda da Rota Real desde março de 2020 e que tem tratado do pleito da empresa desde fevereiro de 2021, após Angelo Oswaldo assumir a gestão pública de Ouro Preto pela quarta vez, enquanto os taxistas procuraram o Município de forma mais recente

“Nós instauramos um processo administrativo entre secretarias formado por mim, secretário de Fazenda, Juscelino, Jorge Kassis, profissionais efetivos da prefeitura, contadores, procuradores, membros da Secretaria de Planemjamento. Essa comissão vem avaliando tanto o reajuste extraordinário, que foi pleito da empresa de março de 2020, bem como o reajuste de agora. O impeditivo de se realizar qualquer alteração na legislação em relação ao táxi-lotação é justamente a ausência de estudos e de análise. Vamos começar avaliar essa legislação”, disse o procurador.

Mesmo com a proposta de Diogo Ribeiro, Renato Gomes vê os taxistas saindo no prejuízo, já que, enquanto há a discussão entre os motoristas e a Prefeitura de Ouro Preto, a Rota Real seguirá com o valor subsidiado, colocando o táxi-lotação em “iminência de acabar”.

O procurador, então, deu a sugestão dos taxistas apresentarem uma planilha de cálculo para que a Prefeitura de Ouro Preto crie, o mais breve possível, uma readequação tarifária.

De acordo com o secretário de Defesa Social de Ouro Preto, a pasta está com alguns processos de regulamentação em andamento. O primeiro é a minuta de revisão da lei que regula o táxi-lotação que já está pronta, em processo de revisão, e que deve ser levada à procuradoria jurídica do Município para avaliação. No que diz respeito à regulamentação dos aplicativos, há uma Lei Federal que faz com que a prefeitura regularize o serviço na cidade. E quanto ao moto-táxi e ao moto-frete, a minuta já está pronta e deve ser decretada pelo prefeito em breve.

O Gerente de Relações Institucionais da Rota Real, Guilherme Schulz, também se posicionou favorável à regulamentação do táxi-lotação, a fim de que ele se torne um sistema eficiente e não concorrente do ônibus. Ele apontou seis desvantagens em não se regulamentar o transporte alternativo em Ouro Preto:

  1. Veículos operando em desacordo com a Lei 42/96, 160/03 do Código Nacional de Trânsito;
  2. Não transporta gratuidades.
  3. Não recolhe ISSQN sobre o faturamento real;
  4. Serviço não licitado;
  5. Sobreposições com os itinerários e horários dos ônibus, contrariando as definições do regulamento municipal sobre mobilidade urbana;
  6. Não atendem locais mais distantes.

“A gente tem a falsa impressão de que quanto mais concorrência melhor e isso, num serviço de transporte coletivo de massa e mobilidade urbana dentro de qualquer município, destoa bastante. Quando se cria uma lógica de concorrência desleal dentro de um sistema, em desacordo com a Lei 42/96 e 160/2003, há meios ‘brigando entre si’, se precarizam em algum momento e quem sai perdendo é o próprio usuário. O táxi precisa complementar o transporte”, declarou Guilherme Schulz.

Reajuste tarifário

O Gerente de Relações Institucionais da Rota Real também fez uma apresentação durante a Audiência Pública, a fim de explanar os motivos do reajuste. Ele apresentou fazendo um breve histórico do processo licitatório que culminou na assinatura do contrato da concessão do transporte, algo que tem sido alvo de pedidos de instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara de Ouro Preto. Veja:

Feito isso, Guilherme Schulz mostrou queda de 63,6% na demanda de usuários pagantes realizada e a prevista no edital da concessão:

“Essa queda tão brusca culminou na necessidade de uma reestruturação na oferta de atendimento, uma vez que o sistema era exclusivamente pago pelo usuário pagante, se não há a fonte para sustentá-lo, não tem condições. A queda foi tão grande que nem a redução proporcional, seguindo os próprios critérios do contrato, foi o suficiente para atingir o equilíbrio. Existe uma discussão que está sendo tratada pelo poder público em relação à revisão, em busca do equilíbrio financeiro do contrato, que é diferente do reajuste”, explicou o Gerente da Rota Real.

Em contrapartida da queda de usuários, houve também um aumento relevante no combustível, de 88,94%, que no caso do ônibus é o óleo diesel. Veja:

Por fim, Guilherme Schulz pontuou os problemas do trânsito de Ouro Preto que têm deficitado a qualidade do transporte coletivo na cidade.

“Recentemente, tivemos o problema com o Morro da Forca que impactou consideravelmente o trânsito da cidade e o transporte público também foi penalizado diretamente. A gente ouve que o serviço está muito ruim, que o ônibus está chegando muito atrasado. Tem dias que o ônibus demorou duas horas para fazer um percurso de 7km ou 8km”, disse Guilherme.

Toda essa condição de desequilíbrio do sistema gerou uma péssima qualidade na prestação de serviços na ótica da oferta do atendimento, segundo o gerente da Rota Real. De acordo com Guilherme Schulz, não era possível ofertar um serviço com mais atendimentos, mais ofertas e mais horários sem a devida contrapartida na receita.

Por fim, Guilherme Schulz apresentou um cronograma para melhorar o transporte coletivo de Ouro Preto. Confira:


Segundo Diogo Ribeiro, o problema envolvendo o transporte coletivo teve início em 2020, com a assinatura do contrato de concessão, perto do início da pandemia, gerando uma discrepância do que foi previsto em termos de investimento e custos de execução para a execução do serviço. O contrato prevê um investimento de mais de R$ 400 milhões ao longo dos 20 anos de vigência.

No segundo semestre de 2020, a Rota Real ajuizou uma Ação, com um pleito liminar que não foi concedido e houve, portanto, uma audiência em 2021, em que a Justiça determinou que o reajuste se tratava de uma obrigação contratual. Então, a Prefeitura de Ouro Preto e a concessionária convergiram em analisar todos os custos e as obrigações estabelecidos no contrato. Dessa forma, chegou-se no valor de R$ 4,70, promovendo os reajustes de 2021 e 2022.

Entretanto, mediante ao anúncio da Rota Real de suspensão de linhas distritais no dia 12 de março, a procuradoria do Município tentou negociar com a empresa, mas, pelo fato da concessionária manter sua decisão, houve a necessidade de procurar uma determinação favorável na Justiça. Dessa forma, ficou decidido que no dia 14 de março a Prefeitura de Ouro Preto faria um decreto e que fosse encaminhada à Câmara Municipal a lei para a concessão do subsídio a fim de que o cidadão não sinta no bolso o valor do reajuste.

A liminar que a Prefeitura de Ouro Preto conseguiu na Justiça garante que a empresa preste todos os serviços acordados. Se a empresa não voltar com alguma linha, em razão que não seja financeira, ela pode ser multada em até R$ 100 mil.

O novo valor da passagem será cobrado a partir do dia 9 de abril. A Prefeitura de Ouro Preto encaminhou o Projeto de Lei do subsídio para a Câmara e espera ser votado pelos vereadores. O intuito do projeto é subsidiar a diferença que está sendo reajustada de forma que o usuário permaneça pagando o mesmo valor de hoje.

Bolsa-empresário?

O presidente da Federação das Associações de Moradores de Ouro Preto (FAMOP), Luiz Carlos Teixeira, fez um apelo em seu uso da palavra na Audiência Pública. Ele pediu para que os responsáveis tratem o transporte coletivo como um direito do cidadão comum e não como um serviço destinado a consumidores ou que chamem os usuários de “pagantes”.

“Eu sou um usuário do transporte público, faço uso do ônibus todos os dias, posso falar com experiência própria. Transporte público é um serviço público e um direito constitucional. Parece óbvio, mas precisamos defender o óbvio. Esse problema aqui em Ouro Preto é antigo, temos que discutir o sistema que não atende mais as condições do cidadão comum. Os governos não procuraram alternativas. Existem pessoas que conseguem outras formas de se locomoverem, mas outros não. Se faltar 10 centavos, não se entra no ônibus. Que sociedade é essa que exclui?”, protestou Luiz Carlos.

A presidente da União Brasileira de Mulheres (UBM), Débora Queiroz, chamou o subsídio da prefeitura de “bolsa-empresário”, em referência ao dinheiro que é pago à Rota Real com recursos arrecadados em impostos.

“Somos contra o bolsa-empresário que está sendo desenhado neste momento. Eu desafio a me apresentarem uma mulher trabalhadora da cidade que esteja satisfeita com a qualidade do transporte público. As usuárias sobem e descem ladeira para pegar ônibus e nós queremos que o transporte público seja tratado como um direito humano, de ir e vir. Desde a década de 1980 discutimos Tarifa Zero, queremos empresas públicas de transporte”, disse Débora.

Subsídio da Prefeitura de Ouro Preto à Rota Real cria risco de acabar com táxi-lotação
Foto: CMOP

O vereador de Ouro Preto Matheus Pacheco (PV) também questionou o subsídio feito pela empresa, apontando a má prestação de serviço feito pela Rota Real.

“Na nossa atividade parlamentar nós temos uma ferramenta que se chama ‘Representações’ que são enviadas para as empresas e a Rota Real só tem perdido para a Saneouro quando se trata da concessionária que mais recebe documentos, principalmente relacionados a corte ou falta de horários. Temos professores que trabalham na sede e que tão pagando R$ 65 para ir embora para Cachoeira do Campo por falta de ônibus. É esse transporte que nós vamos subsidiar?”, questionou o vereador.

O então vereador da cidade Celsinho Maia (MDB) também questionou o subsídio, alegando que ninguém está satisfeito com o serviço da Rota Real. Além disso, ele vê um abandono aos taxistas por parte do Município e sugeriu que o Projeto de Lei 407/2022 seja votado apenas depois da regulamentação do táxi-lotação.

“A impressão que temos é que o governo está fazendo esse projeto de subsídio cedendo a uma pressão da empresa. Eu sei que é questão contratual, mas o reequilíbrio não pode ser embasado apenas no aumento dos combustíveis”, disse Celsinho.

A vereadora Lilian França (PDT) lembrou a necessidade de se olhar a questão de acessibilidade nos dois meios de transporte: “Temos as usuárias de cadeiras de roda. Muita das vezes, o ônibus não tem acesso a essas casas e os táxis salvam, mas há também os ônibus com acessibilidade e os carros sem, então eu peço o encaminhamento é que tenha em qualquer discussão a acessibilidade”, salientou.

Nova Audiência

Subsídio da Prefeitura de Ouro Preto à Rota Real cria risco de acabar com táxi-lotação
Foto: CMOP

Por conta da grande quantidade de pautas levantadas no Plenário foi marcada uma nova Audiência Pública, na quinta-feira, 31 de março, às 17h30, na Câmara de Ouro Preto. Nela, o foco das conversas será, de fato, a qualidade do serviço prestado pela Rota Real na cidade. Dentre os principais problemas ressaltados pela população, destacam-se:

  • A retirada de ônibus no bairro Vila Aparecida, Morro São Sebastião e na linha intermunicipal Ouro Preto x Mariana;
  • Defasagem no salário de motoristas, com motorista intermunicipal recebendo o valor de um municipal;
  • Motoristas sobrecarregados e sendo lesados com horas extras;
  • Ônibus do Alto do Beleza, em Vila Alegre, sujos de portas quebras e superlotados.

De acordo com informações populares repassadas ao vereador Wanderley Kuruzu (PT), o salário de motorista da Rota Real é de R$ 2.055, enquanto em outras empresas é acima de R$ 2.348.

Débora Queiroz propôs que, na nova Audiência Pública, seja informado qual o valor pago pela Rota Real de ISSQN, como o imposto é metrificado e fiscalizado. Ela também pediu para que sejam convidados:

  • Conselho de Política Urbana;
  • Movimentos “Tarifa Zero”;
  • Instituto dos Arquitetos do Brasil;
  • Conselho de Arquitetura e Urbanismo;
  • Alguém do curso de Engenharia Urbana.