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Educação a Distância (EAD): entre a promessa da democratização e a precariedade acadêmica

A Educação a Distância, atualmente, é mais uma realidade do que uma tendência. Digo isso, pois a cada ano que se passa a EAD consolida-se como opção
26/01/2023 às 19:52
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Imagem ilustrativa
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Todo começo de ano nos traz um conjunto de esperanças renovadas em diversas esferas da vida. Uma dessas esferas diz respeito ao futuro profissional, entrelaçado no binômio formação-empregabilidade. Especulo que nesse começo de 2023 muitas pessoas estejam pensando em começar cursos, e a modalidade à distância apresenta-se como possibilidade no horizonte. Mas, cuidado…

A Educação a Distância, atualmente, é mais uma realidade do que uma tendência. Digo isso, pois a cada ano que se passa a EAD consolida-se como opção considerável de formação inicial e continuada na sociedade do conhecimento, para milhares de pessoas. Para se ter uma ideia, nos últimos 10 anos, o número de matrículas nessa modalidade de ensino elevou-se em 474%.

Aprofundando-se na questão estatística, conforme dados do Censo do Ensino Superior 2021, nos últimos 10 anos os ingressantes nesse nível de ensino presencial diminuíram em 23,4%.  No ano de 2011, os ingressantes por meio da EAD eram de 18,4% do total de matrículas, em 2021, a representatividade saltou para 62,8%. Os dados reforçam a tese de que a Educação a Distância é uma realidade no Brasil.

A partir desses números, diferentemente de muitos, confesso que não tenho uma percepção pessimista em relação à Educação a Distância. Não entendo a modalidade de formação à distância como algo ruim em si. Tal modalidade pode ser boa (adequada) ou ruim (inadequada) dependendo da maneira como a mesma é organizada e estruturada. Se a ótica for apenas empresarial, sem diálogo com a questão pedagógica, a modalidade corre sério risco de precarizar-se. 

Talvez, uma das maiores promessas da Educação a Distância seja a relacionada à democratização do acesso ao Ensino Superior. Obviamente que a democratização de acesso a esse nível de escolaridade não se resume a ampliação de instituições que ofereçam cursos à distância. A questão é bem mais complexa para se resumir ao aspecto quantitativo, a qualidade também precisa ser levada em consideração.

A promessa da democratização parte da lógica de que a Educação a Distância oportuniza acesso a formação acadêmica a pessoas que não possuam condições viáveis de deslocamento territorial. Isto é fato! Potenciais estudantes que não residam nos grandes centros urbanos têm grandes dificuldades de permanecerem matriculados em cursos presenciais (superiores e técnicos). A EAD facilita o acesso em decorrência da sua capilaridade tecnológica!

A democratização do acesso ao Ensino Superior através da EAD está ancorada na ideia de flexibilização do processo de ensino-aprendizagem. Essa modalidade estrutura-se a partir da ressignificação do espaço-tempo de construção de conhecimentos, em que a sala de aula deixa de ser o espaço exclusivo e consagrado para se ensinar e aprender.

Por outro lado, a promessa de democratização do acesso ao Ensino Superior por meio da Educação a Distância, precisa dialogar com o aspecto qualitativo. Não basta a ampliação numérica no acesso, pois é preciso um profundo diálogo entre quantidade e qualidade.  Quero enfatizar que, tanto em gestão, quanto em educação existe um determinado (falso) dilema, chamado de “qualidade-quantidade”, ou seja, quando toma proporções elevadas perde-se automaticamente a qualidade.

Chamo de falso o dilema supracitado, pois a questão central não é propriamente a quantidade que impactaria negativamente na qualidade, mas a ausência de organização (regulação) na expansão da Educação a Distância no Brasil. A EAD em nosso país se expandiu rapidamente, sem um padrão confiável de qualidade. No entanto, a preocupação com os aspectos qualitativo nessa modalidade de ensino vem aumentando nos últimos anos pelos órgãos competentes (ainda bem!).

Nesse bojo de expansão acelerada sem regulação, entendido por muitos como democratização (sem qualidade em algumas propostas) consolidou-se um EAD com características de “precariedade acadêmica” (novamente, em algumas propostas). A precariedade está vinculada a falta de qualidade na experiência pedagógica vivenciada, sobretudo pelo aluno, sem esquecer-se de professores e tutores.

No caso dos alunos, propostas pedagógicas em Educação a Distância que não valorizam a interatividade aluno-aluno, aluno-tutor, aluno-coordenação; em que inexiste a multiplicidade de recursos para o acesso aos conteúdos (auditivo, visual, tátil; vídeo, PDF, podcast); onde encontre-se suporte tecnológico irregular; modelos exclusivamente assíncronos; desatualização dos conteúdos (gravíssimo!) etc., podem ser consideradas precárias.

Não nos esqueçamos de professores e tutores… A precariedade está relacionada, além da baixa remuneração, ao alto volume de produções dos alunos a serem corrigidas; a quantidade numerosa de alunos sob a supervisão em sala virtual e presencial (no caso, semipresencial); ao custeio próprio de recursos tecnológicos, como computadores, internet… A lista é numerosa!

A Educação a Distância, jamais substituirá o modelo presencial e não há qualquer pretensão nesse sentido, pelo menos de minha parte. Cada um dos modelos pedagógicos possui características próprias, podendo complementar-se na prática. A grande questão não é quem predominará (presencial ou à distância), mas sim como pensar e colocar em prática uma proposta de EAD que verdadeiramente agregue valor a formação humana, para a vida e ao “mundo do trabalho”.

Conforme mencionado no início, a Educação a Distância é uma realidade, é um fato. Opor-se a essa realidade, exclusivamente por questões ideológicas é “fechar os olhos”. Não se envolver no debate público, qualificado sobre a precariedade em alguns modelos EAD, sendo profissional da educação ou aluno é conceder “terreno” aos empresários aproveitadores que almejam unicamente lucrar com os sonhos dos outros de uma vida melhor.

Última atualização em 26/01/2023 às 19:58