Quando a gente fala que só nativo entende nossa terra, é por situações como as que observamos após a eleição de 2018, curiosamente o mesmo fenômeno observado em 2016.
É inegável (infelizmente) o avanço conservador em nosso país. Pautas relacionadas aos direitos humanos, bem como a defesa da liberdade de expressão e da democracia estão sob a mira de fuzis, curiosamente, empunhados diretamente pelo Palácio do Planalto, sede da presidência da república.
Entretanto, do mesmo modo que dois anos atrás, quando observamos nas urnas o primeiro recado do avanço do obscurantismo em nossa nação, Ouro Preto e Mariana mostraram-se sedes da resistência.
Naquele ano, em ambas as cidades, tivemos como candidatos vitoriosos os que se colocaram como oposição aos clássicos coronéis locais. Além disso, vereadores do campo popular democrático, em ambas as cidades foram eleitos, no caso um do PT em Mariana (Cristiano Vilas Boas, reeleito com expressiva votação) e um do PCdoB em Ouro Preto (Geraldo Mendes). Somado a isso, pode-se ainda lembrar da eleição da atual reitora da UFOP, Cláudia Marliére, também histórica militante progressista.
Em 2018, ao contrário de vários prognósticos esperados, mais uma vez isso se repetiu, mostrando não ser fruto do acaso as expressivas votações em candidatos identificados com pautas populares em ambos os municípios.
No caso da primaz de Minas, Fernando Haddad (PT) venceu no primeiro (36,83%) e segundo turnos (62,59%), quase dobrando a votação entre ambos os pleitos! Algo também repetido na terra de Tiradentes, onde o postulante à presidência petista alcançou 37,91% no 1° turno e 64,57% no 2°.
Números similares em cidades que guardam, mesmo que não pareçam, muito mais semelhanças que diferenças. Mas afinal: por que isso acontece por aqui?
Obviamente não estamos falando de ilhas, nem tampouco de locais que não possuem energia elétrica ou difícil acesso à internet. O que levou (e segue levando) a resultados como estes, são mais profundos, e precisam ser melhor analisados.
O primeiro motivo, obviamente, perpassa por duas das nossas maiores riquezas: UFOP e IFMG, sendo que o primeiro possui campus em ambos os locais e o segundo tem um significativo número de estudantes marianenses. A vivência em espaços públicos federais, bem como com muitos dos maiores pesquisadores e professores do país, favorece a compreensão da importância e da defesa da democracia não só no dia a dia, mas também na hora de votar.
O segundo motivo, curiosamente, é a influência progressista da igreja católica local. A força das pastorais, das comunidades eclesiais de base (CEBs), do movimento Fé e Política e, em especial, do legado histórico de Dom Luciano, também contribuem para entender porque defender os mais pobres é pré-requisito para ser bem votado nas eleições gerais de nossa região.
O terceiro motivo, que dialoga com o segundo, é a força dos movimentos sociais: sindicatos, movimento dos atingidos por barragens, pela mineração, movimento estudantil, movimento negro, de mulheres, LGBTQ+, quilombola, artístico, etc. Mesmo na diversidade, existe uma grande unidade quando o assunto é defender as garantias democráticas.
Falando em movimento negro, é importante lembrar também do imenso contingente populacional da periferia de ambas as cidades, onde a população afrodescendente é uma das maiores do Brasil. Portanto, nosso quarto motivo é esse: quem não defende o combate a práticas racistas, obviamente não tem apreço onde tantos escravos sofreram!
O quinto motivo é histórico. Ouro Preto, por exemplo, desde 1989 apresenta votação expressiva em candidatos nacionais identificados com pautas populares, mostrando assim, que não é de hoje o perfil progressista observado nas urnas. Voltando ainda mais no tempo, podemos lembrar onde começou a luta pela liberdade em nosso país, afinal de contas, quem não cresceu ouvindo histórias da Inconfidência Mineira?
Assim, pensando em nossas características e no nosso passado, é possível explicar porque mesmo que tenhamos um futuro sombrio apontando para o nosso país, em Mariana e Ouro Preto ainda é possível respirar (e aspirar) por liberdade.
Faz escuro, mas a gente canta, afinal, tristeza não tem vez em nossa terra. Quem venceu o escravismo, vai vencer o neofascismo tupiniquim!
Até a próxima.
* Pedro Luiz Teixeira de Camargo (Peixe) é Biólogo e Professor, Doutor em Evolução Crustal e Recursos Naturais pela UFOP/MG e Membro da Direção Eixo Sudeste da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (EcoEco).