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Dia do Saci: entenda a origem do mito do folclore brasileiro

31/10/2019 às 08:00
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8 min

De acordo com a crença popular, o Saci é um garoto negro que tem somente uma perna, com buracos nas palmas das mãos, fuma cachimbo, usa um gorro vermelho para aparecer e desaparecer quando e onde quiser e adora assustar as pessoas.

Considerado um dos personagens mais populares do folclore brasileiro, ele pode ser um brincalhão irritante na maior parte do Brasil ou uma criatura potencialmente perigosa em outras partes, no entanto, ele pode conceder desejos a todos que conseguem pegá-lo ou roubar seu gorro mágico. De acordo com a Wikipédia, ele também é conhecido pelos nomes: saci-pererê, saci-cererê, matimpererê, matita perê, saci-saçurá e saci-trique.

Origem do Saci

É difícil definir a origem exata do Saci, enquanto alguns argumentam que o mito se origina na Europa no século XIII, ele provavelmente deriva da mitologia tupi-guarani. Para o historiador, antropólogo e jornalista brasileiro Câmara Cascudo (1898-1986), no livro Dicionário do Folclore Brasileiro, a lenda do Saci teria nascido no século XIX ou no final do século XVIII, tendo como origem uma gama de elementos culturais.

O caráter indígena foi apropriado e transformado pelos escravos africanos que no século XVIII foram levados em grande número ao Brasil. Nesse processo, a criatura ficou preta e ganhou um boné vermelho e – como os anciãos africanos que costumavam contar as histórias – adquiriu um cachimbo para fumar.

Na literatura brasileira, Monteiro Lobato (1882-1948), considerado o pai da literatura infantil, popularizou e imortalizou o mito do Saci-Pererê em sua obra clássica “O Sacy” (1921) que já mostra um Saci mais brincalhão.

Para compreender um pouco mais desse importante personagem do folclore brasileiro, convidamos o escritor, empreendedor e advogado Acácio Souto para falar um pouco sobre o Saci. Sergipano, o Acácio administra um perfil no Instagram totalmente voltado ao mundo do folclore, mitologia e histórias indígenas, o Folclorando (@folclorando). Confira:

Mais Minas: Na obra “Sacy-Pererê: Resultado de um Inquérito” (1918), de Monteiro Lobato, o Saci aparece com características demoníacas que suga sangue de cavalos, conforme os depoimentos do “inquérito”. Já na obra “O Sacy” (1921), ele surge como um brincalhão que se diverte assustando pessoas. Qual é a verdadeira essência do Saci-Pererê?

Acácio Souto: Não há verdade única quando falamos em Saci. É a criatura do nosso folclore mais difícil de se definir. Como podemos notar em vários registros históricos, inclusive no livro citado “O Saci-Pererê: Resultado de um Inquérito”, do Monteiro Lobato, há vários sacis – desde sacis de uma perna à sacis de duas pernas, indígena, criança, pequeno, alto e por aí vai.

Sobre ser brincalhão ou ter características demoníacas, deve ser levado em consideração que mesmo fazendo pequenas maldades, o saci está sempre se divertindo. Ele pode fazer brincadeiras para se divertir ou fazer pequenas maldades também para se divertir.
Sobre as características demoníacas, vale afirmar que na obra citada anteriormente há mais de 70 depoimentos sobre Sacis, muitos deles bem diferentes. Há sacis com fogo nos olhos, com orelhas de macaco, com chifres de bode e rabo de cachorro, com mãos de pilão ou corpo coberto de fubá.

O termo demoníaco tem relação com o catolicismo. Vale lembrar que, no século XVI, o padre José de Anchieta já escrevia sobre o curupira, por exemplo, mas tratando-o como um ser demoníaco que assombrava os índios.

O mais importante é lembrar do Saci como ele é em comum: com uma perna só, pele escura, com um gorro vermelho que lhe dá poderes mágicos e um cachimbo sempre aceso na boca.

Mais Minas: Europeu, indígena e africano, por que o Saci tem essa mistura de culturas tão ricas? Pode-se atribuir a origem do peralta de gorro vermelho a esta ou aquela cultura exclusivamente?

Acácio Souto: O Saci tem essa mistura de culturas como a maioria das lendas brasileiras em razão do processo histórico do nosso país. A colonização permitiu com que diversas culturas se interligassem, de modo que hoje o Saci tem um pouco de algumas culturas. A origem vem a cultura indígena, mas logo o Saci ganhou a pele negra, o redemoinho e a perna única, estas características herdadas dos orixás Ossaim e Arôni, da religião africana. O próprio cachimbo é influência africana, tanto é que Arôni usava um. Mas o gorro é influência portuguesa, da lenda do Trasgo e/ou do Fradinho da Mão Furada.

Mais Minas: Diz a cultura popular que o Saci tem buracos nas palmas das suas mãos. Qual a razão desta característica?

Acácio Souto: São muitas as histórias que o descrevem assim. As mãos do Saci são furadas, porque são nelas que dança a brasa que acende o cachimbo. Em complemento a pergunta anterior, esta história é influência da lenda portuguesa do Fradinho da Mão Furada, que como o nome já diz também possui buracos nas palmas das mãos.

Mais Minas: O Saci se relaciona de alguma maneira com outros mitos do folclore brasileiro, como o Curupira, o boto cor-de-rosa, a Iara ou a Caipora, por exemplo? Qual a conexão entre eles, se existir?

Acácio Souto: Para alguns, o Saci é só uma lenda, mas para muitos outros, como o povo indígena e como o meu avô, o poeta José Vieira, trata-se de um encantado da mata, ser real que vive em determinadas florestas. Então quando penso em conexão entre as lendas, não consigo visualizar alguma, mas quando penso neles como os encantados na mata, consigo ver conexão entre saci, caipora, curupira. A iara já não, porque a iara não é nem indígena. É uma versão europeia de nosso ipupiara. A iara representa o europeu sedutor, que tanto enganou os índios com sua lábia e seus presentes.

Mais Minas: Mais importante que comemorar o Dia das Bruxas é comemorar o Dia do Saci. Você concorda com esta afirmação?

Acácio Souto: A criação deste Dia significa valorizar a cultura nacional por meio da promoção de eventos, programas e celebrações que valorizem o folclore, a cultura e as tradições brasileiras. Isso é fantástico. Mas se o plano era fazer os brasileiros se esquecerem do Halloween, então houve fracasso, porque a festa norte-americana continua sendo comemorada.

Não há problema algum em admirar a cultura de outro país, mas percebo que no Brasil há um sentimento de “vira-lata”, uma sensação generalizada de que não temos nada bom aqui, apenas o que vem de fora é que tem qualidade. Achamos bonito falarmos palavras em inglês misturadas com o nosso português, como “brainstorm”, “insight”, “check list” etc., quando na verdade a maioria dos americanos não sabem reconhecer nem a nossa bandeira.

Enfim, determinar o Dia do Saci, seja ele dia 31 de outubro ou qualquer outro dia, é só o primeiro passo. É preciso estimular a promoção do folclore não apenas no mês de agosto, é preciso a indústria cinematográfica produzir filmes sobre o assunto, premiações serem criadas para pessoas que estimulem o folclore em suas criações e incentivo financeiro das empresas e do Estado. Só acha que o folclore brasileiro é chato quem não o conhece de fato.

É mais ou menos assim: o Saci vai virar tema de filme de terror na Inglaterra. O filme está sendo gravado pela produtora britânica Hindsight Media. Pode escrever, somos tão influenciados pelos gringos que precisa que eles nos mostre o quão linda é nossa cultura. Após o lançamento deste filme, irão chover brasileiros gostando do saci, uns até dirão que a versão inglesa é melhor.

Finalizando a breve entrevista, convide os leitores do Mais Minas a conhecerem o Folclorando.

Acácio Souto: O Folclorando foi criado com o objetivo de se tornar a maior página de folclore brasileiro e mitologia indígena. Ao acompanhar o nosso site (www.folclorando.com.br) e o nosso instagram (@folclorando), você vai perceber que folclore não é só coisa de criança, porque vamos mostrar a você as histórias das nossas lendas e encantados da mata como você nunca viu. Vem folclorar com a gente!

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