Rima em Prosa #23: Cristal fala sobre “Quartzo”, o seu novo projeto em parceria com MDN Beatz

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Uma das promessas da nova geração do rap nacional, Cristal surgiu na poesia de rua, nas rodas de slam. Através de sua arte, ganhou bastante reconhecimento e pôde participar até mesmo do lendário programa Manos e Minas, lá no ano de 2018. Em 2019, a jovem artista chegou com tudo no rap e conseguiu emplacar a faixa Ashley Banks, que lhe trouxe reconhecimento nacional e rendeu compartilhamentos de grandes nomes do cantores nas redes sociais. Para 2020, outro grande passo. Um convite surgiu para ela participar de Histórias da Minha Área, o quarto disco de Djonga. Com apenas 17 anos na época, a rapper integrou a faixa Deus Dará, que já conta com mais de dois milhões de visualizações no YouTube.

Também neste ano, Cristal foi eleita aqui na coluna como uma das dez promessas do rap brasileiro para 2020. Confira aqui esta matéria.

Rima em Prosa #23: Cristal fala sobre "Quartzo", o seu novo projeto em parceria com MDN Beatz
Foto: Divulgação/Cristal

Convidada dessa semana na Rima em Prosa, Cristal nos contou detalhes de seu novo projeto com o produtor MDN Beatz e falou de suas origens nas rodas de slam, da quebra de estereótipos e paradigmas no rap gaúcho e sobre sua participação em Histórias da Minha Área. Veja a entrevista:

Live de aniversário

MM: No início de junho, você realizou uma live comemorando o seu aniversário de dezoito anos. Com a presença virtual de vários amigos e pessoas próximas, essa produção ficou bem bonita. Qual foi o retorno deste projeto? O público curtiu e abraçou a ideia?

C: O retorno que a gente teve da live foi muito bom. Foi muito massa. É uma plataforma, uma ferramenta, que a gente ainda não tinha experimentado. E com toda essa função de se adaptar ao que tá acontecendo agora, de criar outras estratégias para botar nossa arte pra rua e continuar interagindo com as pessoas, teve uma resposta e nos receberam muito bem. Ainda mais porque as minhas primeiras experiências com show foram aqui na minha cidade mesmo. Nas cidades próximas. Não tinha me apresentado para fora do estado ainda. Então é uma ferramenta que aproxima a galera de vários lugares ao mesmo tempo. Então, nossa, foi demais!

MM: Há planos para uma nova live em breve?

C: No momento, eu tô focada no processo de criação e produção do EP, junto com o MDN Beatz. Então a gente tá focado mesmo em concluir esse projeto. Mas quem sabe mais para frente, em alguns outros projetos, em algumas colaborações a gente apareça com um show por live, pelas redes sociais.

Influência de J. Cole

MM: Sua última música lançada é um remix da faixa No Role Modelz, do rapper americano J. Cole. Muito popular no Brasil, o J. Cole é uma referência para diversos MC’s da cena nacional. Qual é a sua relação com as músicas dele? Como surgiu a ideia do remix?

C: Mano, J. Cole acho que teve forte influência no final de 2015, quando eu tava criando uma identidade musical, saca? Tava saindo de tudo que todo mundo ouvia. Das minhas amigas. Já tava indo pra um lado b em relação aos meus núcleos de amizade. J. Cole pra mim tinha me abraçado, sabe? Eu sentia muito que eu precisava pertencer a algum lugar. Eu me sentia muito solta, não me sentia parte de algum lugar, então eu encontrava na arte e na música uma forma de me identificar. J. Cole foi um artista gringo que foi o primeiro a eu me identificar no rap, fortemente assim. Era aquilo que tava tocando nos meus fones direto. No Role Modelz foi um dos sons mais importantes e especiais na minha vida. Por toda a história que traz, também. Trazendo o Tio Phill, comparando também, falando do amor da Jada, do Will. Falando sobre todos esses aspectos dos personagens. Isso me influenciou muito também pra escrever Ashley, sabe? Pra eu me influenciar mais pra série. Pra eu criar esse carinho assim. Mas ele passa uma verdade na carreira, nas letras, nas linhas, nos objetivos dele, nas falas… Eu me identifico muito. E ele mantém uma postura que eu admiro muito. A gravadora, tá ligado? Todos os projetos eu sou muito fã. E a minha meta é isso. Não que nem ele, né? Eu quero uma carreira com meus próximos passos e tal, mas se for uma uma referência artística e de carreira, é ele. Um dia eu ainda vou conhecer ele, mano. É a minha meta.

EP com MDN Beatz

MM: Principalmente antes do início da pandemia e da quarentena, você estava investindo muito no formato de singles com clipes. Faixas como Joia Rara, Ashley Banks e $incera foram lançadas desta maneira. Você pretende continuar apostando nesse formato ou tem planos diferentes para o futuro?


C: Antes de lançar o meu EP, que vai ser um grande projeto e que já vai vir um pouco diferente, eu vou lançar um single. Vai ser nessa pegada assim, vai fechar essa fase dos singles com clipe (risos)… Não, brincadeira, mas antes eu quero lançar esse single. Logo eu vou divulgar o nome, vai ser com uma collab braba na produção. Então tô bem ansiosa pra mostrar para a galera. E o EP vai vir com algumas novidades, cada faixa vai vir com um estilo, com uma identidade, que é pra explorar bem o que eu e o Maurício estamos trabalhando juntos. Esse EP vai ser com o MDN Beatz, né, então cada faixa vai vir com algo muito nosso. Daqui a pouco vou falar um pouco mais sobre o conceito. To guardando tudo, misteriosa mesmo. Mas, quando tiver a hora certa pra eu conseguir falar de tudo isso, vai ser daora. To ansiosa demais. Mas aguardem, vão vir coisas diferentes.

MM: Como anda a produção desse EP? Você já pode falar quais artistas estarão presentes no feat?

C: Eu não posso falar muito sobre, ainda, mas vão ter colaborações brabas, que eu tenho certeza que geral vai curtir. Que, no momento, como é meu primeiro EP, a gente tem vontade de chamar várias pessoas que a gente admira o corre. Mas, enfim. A ideia do EP é que seja o início de vários projetos. Vai ser uma experiência, né? Vamo ver o retorno desse projeto pra gente projetar mais, escrever mais outros e poder abrir outras ideias. Mas vamos ter colaborações sim. É um EP de seis faixas. É o que eu posso dizer até agora, por enquanto. Mas tá brabo, tá brabo. Vai vir  brabo no visual também. E com essa pandemia a gente tá tentando se virar, tentando se proteger.  Então deixou as coisas um pouco mais devagares, assim, entre aspas. Pra gente poder estruturar, poder dar força e forma ao projeto, entendeu?

MM: Qual estética você pretende abordar nesse projeto?

C: Mano, vai ser um trabalho em que eu vou falar um pouco sobre o que a música causa em mim. De diversas formas, em vários sentimentos. E as suas formas curativas. Eu vou brincar um pouco com essa coisa do cristal. O nome do meu EP vai ser Quartzo e vão ser seis faixas… E por enquanto é só isso que eu posso falar (risos)! Mas eu quero trazer em cada faixa algo bem único, bem singular. Que aproxime as pessoas de linguagens diferentes, de formas diferentes. O Maurício (MDN) tá mostrando tudo que ele sente nas produções. Com as colaborações vai ser isso também. Nós nos organizamos para que até as pessoas que vão colaborar nesse projeto estejam na sintonia. Então, só fé. Vai ser lindo, tô louca pra mostrar pra galera. Espero que recebam bem.

MM: Além de ser seu DJ, o MDN também produziu praticamente todas as músicas que você já lançou até hoje. Outro produtor que você também tem colaborado bastante, é o Devasto, que além de fazer os beats, também trabalha por trás das câmeras, dirigindo ou produzindo clipes. Como é sua relação com esses dois?

C: O MDN é quem me incentivou a gravar o meu primeiro som, então ele tem um papel fundamental em tudo que tem acontecido, tudo que vai acontecer e tudo que já aconteceu na minha carreira na música. E a gente troca muita ideia, a gente se conhece muito. Pra gente criar um som é leve, natural, espontâneo também. Se tem algo que me incomoda, se tem algo que eu quero mudar, se tem algo que ele acha que eu posso fazer diferente na voz, a gente troca ideia. Então a gente tá sempre construindo juntos, sabe? Mas tem sido uma experiência muito única. É inspirador e libertador e motivador trabalhar em família. Ainda mais com alguém que eu conheço tão bem. E é aquilo, né, a gente tá sempre num lar, em casa. Então torna tudo mais leve assim. E o Devasto eu conheci através de Ashley Banks. O Truin, que é um mano brabo e que eu admiro muito, tinha indicado meu som pra ele e o Devasto entrou em contato, falando que curtiu Ashley Banks. E só ideia, só visão. Também trocamos várias ideias brabas. E fizemos o clipe de Joia Rara juntos, que foi brabo. Conheci uma galera em São Paulo, foi uma experiência muito foda. E a experiência do Ouro no Dente também, foi uma benção, foi muito massa gravar com os guris. Tive essa oportunidade e o som pra mim ficou perfeito. E é isso, só admiração pelos dois.

MM: Outros beatmakers já te enviaram beats ou te convidaram para algum projeto ou parceria?

C: Sim, recebemos outras propostas. Tem algumas parcerias e projetos pra sair, mas no momento estamos focados no lançamento do EP com o MDN. Mas, inclusive, esse próximo lançamento, que vai ser um single antes do EP (que ele não vai fazer parte) é com a parceria de uns produtores brabos que logo vou estar divulgando mais informações.

Estudos

MM: Você ainda é uma artista muito jovem, tendo completado 18 anos recentemente. Neste momento, você tem conciliado a música com estudos ou tem focado totalmente em sua carreira?

C: No momento, eu tô no último ano do ensino médio. Então eu ainda tô na última fase de conciliar os estudos e os projetos musicais. É isso mesmo. Focar, estudar, terminar. Quero muito terminar a escola. Vai dar tudo certo. Muita fé.

Origem no slam

MM: Antes de obter reconhecimento nacional com a faixa Ashley Banks, você já havia chamado atenção por conta de suas poesias em torneios de slam. Em sua opinião, quais são as principais influências desse movimento nas suas músicas?

C: Ah, o slam me criou um chão, eu sempre falo. Criou uma base. Me estruturou muito bem, pro caminho que eu escolher seguir. Seja dança, teatro ou outra forma de cantar também, fora do rap. Mas me estruturou pra muita coisa. Saber, conhecer a potência de usar minha voz em alguns momentos, interpretação, postura, o meu corpo, explorar minhas poesias, conhecer outros artistas, conhecer a expressão de outros… Tudo isso, sabe? É uma ferramenta. O slam é uma ferramenta muito importante de liberdade também. Então foi um espaço onde eu estava me sentindo forte, potente e sendo vista. As pessoas queriam ouvir o que eu tinha pra dizer. Então realmente mudou muita coisa. E é muito, muito importante hoje na minha vida. O que eu vivi, as pessoas que eu conheci. Sempre vai ser.

MM: Dentro do rap nacional, há algum(a) rapper que você admira e acompanha que também veio do slam?

C: Claro. Tem a Laura Conceição, brabíssima que eu conheci no Slam BR de 2017. O Kuma França, meu irmão. Tem o Cesar MC também, muito brabo. Entre outras pessoas que eu não sabia que já tinham participado do slam e que em algum momento botaram a cara na roda. Acho isso muito foda. Tem a Gabz, que já teve uns vídeos dela circulando, recitando nos slams. O WJ, que foi um dos primeiros que eu assisti. Uma galera braba assim. Acredito muito que uma grande parte dessa geração do rap tenha frequentado esses espaços das batalhas de poesia. Assim como já veio uma galera das batalhas de MC’s, tem uma galera das batalhas de poesia, dos slams, indo pro rap, pro trap, pra música. Acho isso muito brabo.

Reconhecimento de grandes artistas

MM: Hoje, é impossível falar de Cristal sem lembrar da faixa Deus Dará, com o Djonga. Além de ser sua música de maior sucesso, foi a primeira vez que grande parte do público ouviu sua voz. Qual foi o primeiro contato que você teve com o Djonga? Como surgiu o convite para fazer parte do Histórias da Minha Área?

C: Mano, o que aconteceu foi que o Djonga tinha postado um vídeo ouvindo Ashley Banks. Eu lembro desse vídeo ainda. Ele tava na barbearia com os amigos descolorindo o cabelo. Tava escutando altão Ashley Banks. E eu fiquei “meu deus, mano, como é que o som chegou lá já?”. Daí respondi o story e ele já entrou em contato, convidou pro álbum… As coisas foram meio assim (risos). Mas foi muito daora. Depois ele ligou pra falar sobre o feat, pra falar a ideia que ele tinha da música e tal. E no dia do estúdio foi demais, foi incrível, foi único. A experiência de estar lá, de gravar num estúdio grande… Até então eu nunca tinha ido num estúdio assim. E geral da equipe dele me recebeu muito bem. Nossa, foi demais. Foi demais mesmo. Foi inspirador. Foi um momento ancestral, como eu gosto de chamar. Porque eu só sabia do refrão da música, ele só tinha me mandado ele. Mas eu não sabia do verso dele, ele não sabia do meu verso. No dia que a gente se apresentou, ficou perfeito e bateu direitinho. Foi lindo.

MM: Além de Djonga, outros grandes nomes do rap brasileiro tem reconhecido e divulgado sua arte. Como você tem lidado com tudo isso?

C: Ah, eu me emociono muito. Eu me emociono muito. Tem artistas que tiveram uma influência muito forte em momentos da minha vida e que eu admiro muito. Aí de repente a gente vê esses artistas reconhecendo seu trabalho ou curtindo algum trampo. Isso parece surreal, é quase de tirar o pé do chão. Mas sempre volta, né, porque é aí que a gente tem que trampar, é aí que a gente tem que ficar focadão assim, pra botar as coisas pra frente. Mas é inspirador  demais. Eu não sei como eu tenho lidado, tá ligado? Eu me emociono, me emociono mesmo. Comemoro. Mas é foco nos planos, foco nos planos. Isso é sinal de que a gente tá conquistando nossos objetivos. Fico muito feliz.

O rap no Rio Grande do Sul

MM: Dentro do rap nacional, há muita discussão sobre a presença de artistas do Sul dentro do movimento e todos os estereótipos raciais e culturais que o seu estado e região carregam. Como você enxerga isso?

C: É um assunto que a gente tem discutido faz muito tempo. Desde as rodas de slam, desde os sarais, de vários espaços. E no rap não seria diferente. RudeGirl foi o primeiro single que eu lancei com o Maurício e fala disso. Desse recorte racial do estado. Se já não enxergam pessoas negras dentro do nosso estado, de fora, agora imagina a gente atuando em arte,  nos articulando? Nós temos vários movimentos, várias formas de se comunicar, de se articular aqui fazendo coisas assim. E as pessoas não enxergam, saca? Não enxergam. Então é contar uma história mesmo. É ressignificar. Porque muitos de nós não conhecemos as nossas próprias histórias, então é sempre um processo de busca, de voltar pra casa, de estar sempre num processo de reconhecimento também. De saber de onde a gente veio, de quem a gente é, pra onde a gente vai… Então acho importante sim. O dialógo, e mais importante ainda, sair do dialógo e começar a olhar pra artistas negros no Rio Grande do Sul. Começar a pesquisar, começar a procurar, começar a ouvir. Dar potência pra galera daqui também. Isso é importante.

MM: Com a chegada de novas vozes e artistas que fujam desses estereótipos, você acha que esse preconceito contra a região pode ser quebrado?

C: Na verdade, não é nem uma chegada de novos artistas, porque nós já estávamos aqui. Uma galera faz um corre tem um tempão e não tem o reconhecimento e a visibilidade que merece. Não é visto, é invisibilizado. É mais a forma que a gente começa a conversar com isso, né? Que a gente começa a dialogar com as outras pessoas. Galera dos outros estados. A gente começa a se articular como um todo pras coisas começarem a mudar. Pra gente começar a se conhecer. A gente conseguir se enxergar e começar a se valorizar. Entre nós, acho que isso é um grande passo.

MM: E a estrutura da cena local no Rio Grande do Sul, te agrada? O que acha que pode melhorar para que novos talentos surjam daí e ganhem destaque?

C: Mano, acredito que aqui tem alguns projetos, alguns selos, algumas gravadoras que estão no corre para fazer o seu corre, sua banca virar. Mas, acho que tudo é um processo. A gente tá num processo muito diferente comparado ao eixo, que a gente chama do Rio de Janeiro e São Paulo. Lá é muito grande. A mídia tá muito no foco lá também. É outro pique, outra vibe. Aqui a gente tem que correr duas vezes mais para ser visto. Acredito que a gente tá evoluindo, que a gente tá começando a se articular mais, tá começando a pesquisar isso ainda mais. Se profissionalizar, levar mais a sério as paradas. Acho que tem muita coisa ainda pra acontecer, e é resultado de um trabalho de muita gente que abriu muitas portas pra nós, aqui no estado. Pra gente estar colhendo agora as coisas e estar batalhando mais. Mas essa correria sempre esteve em nós, sabe? Como eu digo, é o momento da gente se articular e continuar abrindo portas pra gente continuar crescendo. Todos. Prosperidade pra todos. Eu não quero ser “a menina gaúcha que faz rap”. Eu não quero ser isso. Quero fazer meu rap e quero que as pessoas curtam meu trampo por conta disso. E eu quero que as pessoas que eu admiro aqui também sejam vistas fora. E é isso. Muita fé e prosperidade pra nós o tempo todo. É isso que eu desejo.

Rima em Prosa é a coluna especializada em rap do Mais Minas. Nela, são publicadas notícias, matérias e entrevistas relacionadas à tudo de principal que tem ocorrido no rap nacional. Caso tenha gostado da entrevista com o Sos, recomendamos as nossas matérias com Sos, Alt Niss, Ebony e Aka Rasta.

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