É impossível falar de trap no Brasil, sem falar de DaLua. Um dos artistas mais talentosos do cena nacional, o rapper infelizmente ainda está longe de alcançar o merecido reconhecimento. Sempre lembrado pelo público, e por páginas especializadas, como um dos nomes subestimados da nossa cena, ele vem trabalhando muito para fazer esse cenário mudar. Em dezembro de 2019, o artista lançou Músicas para Tocar no Carro, Vol. 1, o seu terceiro disco. Com 25 faixas, o álbum trouxe a produção de nomes como 808 Luke, JD On Tha Track, Fahel, Leo Grijó e Celo, além de diversas participações de peso. Klyn, Menestrel, Jé Santiago, Morenna e Azzy são alguns dos artistas que deixaram seu feat no projeto.
Em entrevista realizada em julho, a Rima em Prosa bateu um papo com DaLua, que nos falou um pouco sobre o reconhecimento do público, suas alegrias e frustrações com o rap, a polêmica de plágio envolvendo Matuê, Músicas para Tocar no Carro, Vol. 1 e mais. Confira esta matéria:
Produção de Mochila Remix
MM: Um dos grandes sucessos de sua carreira é a faixa Mochila, que conta com duas versões. Na versão remix, temos uma das grandes reuniões do trap nacional: DaLua, Doxapa, Delatorvi, ThugHood, The Boy, Aka Rasta, Klyn, Rare Kidd e MC Igu. Quanto tempo levou para você e o Fahel produzirem esta track?
DL: Mano, foi demorado. Porra, lembro que foi bem demorado esse trampo. A gente ficou um mês, um mês e meio esperando as vozes de todo mundo. Mas, foi fácil fazer, porque de alguma forma a gente já sabia com quem ia fazer. A gente já tava trabalhando frequentemente com todos os artistas que estão na faixa ali, então não foi tão difícil, não foi tão demorado. Foi um mês e meio montando as vozes, alinhando tudo, testando mapeamento.
MM: Como foi conciliar tantos nomes em um mesmo projeto?
DL: Foi de boa, até. Geral tava afim de fazer, foi um processo tranquilo. Fahel fez na pura calma. Geral gravou no seu estúdio, no seu tempo. O único que gravou realmente com o Fahel foi o Klyn. Foi um processo bem suave, bem de boa.
Músicas para Tocar no Carro, Vol. 1
MM: Lançado no fim de 2019, o disco Músicas para Tocar no Carro, Vol. 1 contou com 25 faixas e diversas participações. Em questão de números, esse álbum correspondeu às expectativas que você tinha?
DL: Com certeza, não (risos)! Com certeza, não!
MM: E a recepção do público, te agradou?
DL: Ah, de certa forma, sim. Eu acho que, quem ouviu, entendeu o que eu quis passar, tá ligado? Absorveu bem as faixas… Eu acho que de certa forma, sim, embora eu quisesse que tivesse uma repercussão maior, uma atenção maior do público da cena. Eu acho que, independente dos números, cumpriu a missão ali. Quem ouviu, entendeu o que a gente queria fazer.
MM: Neste álbum você optou por trabalhar com um número maior de músicas, porém anteriormente você já havia feito discos menores, como Loreal e Nirvana. Isto é algo que você leva em consideração na hora de desenvolver um projeto ou não se prende nessa questão?
DL: Não. Na verdade, nem me prendo a isso. Acho que cada projeto é um projeto. Cada projeto tem sua necessidade, seu formato. No ‘Músicas’ eu sinto que era aquilo que tinha que ser. Se eu sentir que qualquer projeto futuro deva ser um pouco mais curto, sei lá, vai ser mais curto. Depende de que história e como você vai contar também. Depende muito de tudo. Cada projeto é um projeto.
MM: No meio da música, há muita discussão a respeito do número de faixas que álbuns devem ter ou, até mesmo do tempo de lançamento entre um disco e outro do mesmo artista. Há quem goste de álbuns maiores e há quem prefira os mais enxutos, e também há quem ache que lançar disco todo ano seja ruim. Assim como há quem não ligue para isso. Como você enxerga essas questões?
DL: Eu acho que depende muito do artista, da situação. Tem artistas que conseguem lançar um álbum ou mais por ano. Ou até mesmo lançar só singles. Depende do alcance de cada artista. Eu tenho tentado me adequar para que os meus lançamentos tenham mais frequência, tá ligado? Justamente por que eu acho que eu não sou um artista que tem uma facilidade para alcançar grandes números, então eu acredito que a frequência e o distanciamento de cada lançamento, no meu caso, é importante. Eu acho que depende muito do artista mesmo, de como ele está, como ele se posiciona. Acho que cada trabalho é um trabalho. Mas eu acho que hoje em dia é realmente muito mais rápido. O público consome um disco hoje de 12 faixas e amanhã já tá te pedindo música nova. Hoje em dia as coisas circulam de forma muito mais rápida.
Polêmica com Matuê
MM: No início do ano passado você fez um post no Twitter mostrando sua indignação, com o Matuê, por conta da faixa De Peça em Peça, de 2018, que você considerava ser um plágio da sua parte em Vou Fazer Virar, música do SWAHILLI, lançada em 2017. Depois desta postagem, houve algum tipo de contato entre vocês ou esse assunto acabou não dando em nada? Qual é a sua visão dele enquanto artista?
DL: Ah, na época foi aquilo mesmo. Foi isso mesmo. Me posicionei, enfim… Não, mano, nós nunca falamos sobre isso. Na verdade, aquilo foi um momento da minha carreira, foi um bagulho que eu falei, que eu me posicionei… Eu evoluí dali pra cá. Muita coisa rolou. Eu entendo que às vezes a internet dá essa falsa ilusão de que às vezes a gente pode resolver tudo com um tweet. Talvez eu devesse agir de uma outra forma. Eu acho que, independente de qualquer coisa, o mano tem um trampo dahora, tá ligado? A gente já trocou algumas vezes ideia depois disto. E, sei lá, eu evoluí. Independente de qualquer coisa, de qualquer plágio ou melodia parecida, eu talvez não devesse ter agido daquela forma, que nem condiz muito comigo. Mas, eu acho que é isso. Eu evoluí, e já passou essa parada. Nem cobrei nada, nem quis tocar no assunto, por que eu acho que não é aquele trampo, com certeza, que vai me pôr no lugar onde eu mereço. Foi algo que já passou. Eu pus uma pedra nisso aí. E eu respeito o trabalho do cara. Sempre respeitei de forma geral. Mas, talvez, se fosse hoje, eu não teria me posicionado daquela maneira. Para mim, isso foi só algo que rolou e já passou.
Reconhecimento dos produtores, no rap
MM: Além de suas qualidades enquanto artista, outro fator a ressaltar no alto nível de suas músicas, é a produção. Além do já mencionado Fahel, outros beatmakers que colaboram bastante com você são WillsBife e Celo. De que forma você acha que o produtor pode fazer a diferença dentro de uma música?
DL: Acho que, de forma geral, o som nem existiria se não fosse o produtor. O que eu vejo hoje em dia são muitos MC’s trabalhando sozinhos, sem um produtor ali do lado. Sem ter o produtor como um dos artistas da faixa. É importante esse reconhecimento. No Brasil, acho que o produtor não é tido como artista. Isso é errado. A gente deveria respeitar esses artistas assim como a gente respeita os outros MC’s. Eu acho que o som se eleva muito mais quando o cara que produziu tá ali junto com o cara que rimou, tá ligado? Dando a sua visão de produtor e etc e tal. Essa valorização é muito importante. Por isso eu lancei alguns trabalhos com os produtores como feat, para que as pessoas comecem a normalizar esse tipo de atitude, para que finalmente os produtores sejam reconhecidos.
Reconhecimento do público
MM: Ao ler os comentários de suas músicas, é impossível não notar um grande número de pessoas incomodadas com o fato de você não ser um cara “estourado” e não ter números tão expressivos em seu lançamentos no YouTube. Isso também acontece em páginas de trap. Sempre que alguma delas pergunta quais artistas o público acha que são subestimados, você é um dos primeiros a ser mencionado. O que você pensa disto?
DL: Acho que é uma questão estrutural, tá ligado? Do Brasil mesmo, de forma geral. Não só para comigo, mas com artistas negros de forma geral. Antes de qualquer coisa, tenho mó respeito com qualquer pessoa que tenha atingido números expressivos, independente do seu conteúdo. Todo mundo tem seu merecimento. Mas é estrutural a parada. Parece que se a gente não faz um trampo mastigado, fácil, falando de várias besteiras, parece que as pessoas não abraçam de uma forma receptiva como abraçam esses outros trampos, que com certeza merecem espaço, merecem respeito, mas eu acho que é um padrão. É como se a gente tivesse que ter uma fórmula pra dar certo. Eu sinto que talvez outros países tenham mais pluralidade no lance do rap. Aqui parece que o Brasil é mais tendencioso. Então, quando vem algo que dá certo, parece que todo mundo tem que fazer aquela parada. Isso torna as coisas um pouco mais difíceis. São problemas estruturais do Brasil. É um problema cultural do nosso país. Essa geração de agora costuma pular na bala, costuma pegar as paradas sem nem saber de onde veio, como começou. Geralmente a rapaziada aqui não consegue diferenciar um drill de um trap, de um grime, de um boombap, sabe? Trata tudo como se fosse uma coisa só. É uma coisa só, né? É o rap, é o hip-hop, só que… Devido a esse problema estrutural que o Brasil tem, de não dar o devido valor, culturalmente falando. Acho que a internet também facilitou o acesso de várias outras pessoas embalistas. E isso acaba gerando essa deficiência para artistas que não trampam tão mastigado assim. É foda, mano. Acaba gerando um público que quer consumir música sem sentido, sem pé, nem cabeça. Acaba se tornando mais difícil pra gente.
MM: Isso é algo que te desmotiva ou, pelo contrário, te faz querer trabalhar ainda mais para tentar alcançar o devido reconhecimento?
DL: Desmotiva, lógico (risos)! Mas, normal. Acho que como tudo na vida, tá ligado? É uma questão de tempo. O que eu tenho pra mim é que, artistas de verdade, querendo ou não, levam tempo para se consolidar. Eu percebo o quanto meu público tem crescido no passar dos anos. Então é reconfortante pra mim. Tem dias que eu, porra, realmente fico desmotivado quando olho pra cena num todo, mas tem dias que eu tiro força de dentro do meu público, que tá ali sempre falando essas coisas nos comentários e nos blogs. É neles que tá a força. É foda. Desmotiva, sim, mas eu acredito muito mais no que eu tô fazendo. Tô consolidando um trabalho, um nome, e isso é importante.
Reflexos da pandemia no seu trabalho
MM: Por ser um artista independente e que depende de inúmeros fatores para se manter, de que forma a pandemia do coronavírus mais tem afetado o seu trabalho?
DL: Acho que de forma geral, né, mano. Fazer música no Brasil já é difícil, então quando rola uma pandemia onde vai ter que existir o distanciamento social e essas coisas… Fica difícil pra trabalhar. Fica difícil pra se locomover, arrumar locações para gravar videoclipe… Obviamente nossa renda já acaba sofrendo uma alteração por conta da falta de shows. A gente tá numa pandemia, a gente não tá podendo se aglomerar. Então, é isso, mano. Acho que tá foda pra todo mundo, de forma geral. Se não fossem os streams, eu não ia conseguir pagar minhas contas e etc e tal. Tá foda pra todo mundo. Bagulho veio num momento onde ninguém tava esperando. Era um momento bom do rap, onde vários artistas estavam conseguindo se consolidar, outros artistas conseguindo ter retorno de anos ou meses de investimento e trabalho… Meio que cortou nosso barato, tá ligado? Eu, por exemplo, tava com uma agenda extensa comparada às outras agendas que eu tive nesses últimos anos, e, pô, fui pego de surpresa. Querendo ou não, momento delicado para todo mundo. A renda do trabalhador brasileiro tá frágil.
Flex Season
MM: Flex Season é uma de suas músicas de maior sucesso. Além do reconhecimento do público, ela também atraiu o reconhecimento de diversos outros artistas. Devido ao tema retratado na música, e toda a positividade que ela traz, nos comentários dela temos diversos fãs ressaltando o quanto essa faixa tem os tem ajudado a superar um momento difícil. Como você se sente lendo tantas mensagens assim? Você esperava que essa track fosse mexer com tantas pessoas?
DL: Muito louco! Fico feliz pra caralho, por que eu não esperava. Foi uma música que eu fiz assim, bem… Tá ligado… Não como qualquer outra, porque cada música que nós fazemos é como se fosse parte da gente, mas não foi uma música que eu esperava um retorno assim. Da forma que foi. Eu achei que, sei lá, era mais uma. Não esperava. Seloco. Lá tem uns comentários absurdos, véi. Uns comentários foda. Não esperava, de verdade. Mas depois que chega nas pessoas e a gente começa a colher esses comentários, essas palavras, né, aí depois a gente percebe a dimensão e onde realmente pode chegar. É algo simples, mas que, de alguma forma, toca as pessoas. O que tá sendo dito ali. É um som que, apesar de soar comercial, ele é bem pessoal. Mas eu não esperava. Real. Foi bem inesperado mesmo. Foi doido.
Rima em Prosa é a coluna especializada em rap do Mais Minas. Nela, são publicadas notícias, matérias e entrevistas relacionadas à tudo de principal que tem ocorrido no rap nacional. Caso tenha gostado da entrevista com o DaLua, recomendamos as nossas matérias com Sos, Derek e Ebony.