Na última quarta-feira (27), uma Nota Técnica importante para a saúde das crianças que fazem parte da rede pública de ensino foi divulgada pela Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Trata-se de novas medidas nutricionais do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que devem ser seguidas pelas Secretarias de Estado da Educação – Seduc, Prefeituras Municipais e rede federal.
As novas orientações sobre alimentação e nutrição que devem ser seguidas nas cantinas de todo Brasil têm como base o Plano de Ação para Prevenção da Obesidade em Crianças e Adolescentes (Organização Pan-Americana da Saúde), tendo em vista que atualmente mais de 30% das crianças até nove anos de idade no país têm sobrepeso.
O principal objetivo do projeto é trabalhar na educação alimentar das crianças e na construção de hábitos alimentares saudáveis desde cedo, evitando problemas que podem surgir a curto ou longo prazo.
Dentre as principais mudanças está a retirada de certos alimentos e bebidas do cardápio das cantinas no Brasil. Açúcares e alimentos ultra processados como balas, bolachas ou biscoitos recheados, bombons, sais sódicos, temperos com glutamato, maionese, alimentos em pó ou para reconstituição, refrescos artificiais, refrigerantes e semelhantes devem ser retidos.
A reportagem do portal Mais Minas conversou com a nutricionista Jacqueline Carvalho, que explicou melhor como as novas regras podem agregar na vida das crianças.
– Mais Minas (MM)
Olá, eu sou Elis Bohrer, repórter do portal Mais Minas, conversamos agora com a nutricionista Jacqueline Carvalho.
Como vai Dr.ª Jacqueline? É um prazer tê-la conosco!
Quais foram as mudanças que você entendeu como mais significativas no novo documento divulgado pela Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação?
– Jacqueline Carvalho
Olá, é um prazer falar com a equipe do Mais Minas sobre um assunto tão importante como o Programa Nacional de Alimentação Escolar, já que a maioria dos alunos da educação básica hoje de nossos municípios e estados estão na rede pública.
O que eu vejo como mudanças mais significativas foi que aumentou a lista de produtos proibidos para serem comprados, acrescentando alguns que antes eram apenas restritos. Então hoje além de já não poder adquirir refrigerantes, com essa nova resolução também não será mais permitido a aquisição de refrescos artificiais, bebidas ou concentrados à base de xarope de guaraná ou groselha, chás prontos para consumo, cereais com açúcar, guloseimas em geral, biscoito recheado, bolo com cobertura ou recheio, barra de cereal com aditivo ou adoçadas, gelatina, temperos com glutamato monossódico como caldos de carne, maionese e alimentos em pó ou para reconstituição.
Dessa forma, o objetivo é garantir que pelo menos nas escolas, as crianças tenham uma alimentação mais saudável. Sendo que boa parte dos recursos que seriam investidos nesses produtos podem ser investidos para a aquisição de mais produtos da agricultura familiar, por exemplo, que já é uma obrigatoriedade que produtos da AF sejam comprados com no mínimo 30% dos recursos, e com isso vai aumentar a qualidade da alimentação escolar com mais produtos in natura, fresquinhos e de época.
E quero só ressaltar que as novas medidas vão ser observadas pelos nutricionistas e atores envolvidos na gestão do PNAE após o período de calamidade pública que foi decretado devido à pandemia de Covid-19.
MM – De qual forma você acredita que a retirada de alimentos como o açúcar, entre outros do cardápio escolar, pode favorecer na qualidade de vida das crianças?
Jacqueline Carvalho – Infelizmente é uma realidade hoje que muitas crianças e adolescentes se encontram com quadros de obesidade e com problemas de saúde como colesterol alto, diabetes, pressão alta entre outros, tudo isso decorrente de maus hábitos de vida, incluindo a má alimentação. E temos muitos estudos que comprovam que o consumo desses alimentos estão sim associados a esses tipos de problema de saúde.
Então eu acredito que a retirada desses alimentos pode impactar de forma positiva na educação nutricional dessas crianças, pois se desde cedo eles aprenderem sobre uma alimentação saudável, sobre como fazer as escolhas certas dos alimentos na hora de se alimentar, acredito que isso gera uma autonomia para que no futuro eles possam fazer as melhores escolhas de forma voluntária, e evitar diversos problemas de saúde. Além de estarem bem nutridos para se desenvolverem melhor, e também poder ter um melhor rendimento no processo de aprendizagem.
MM – Nós também tivemos a informação de que além da retirada de determinados alimentos do cardápio das crianças, mais frutas e hortaliças irão integrar as refeições oferecidas pelas creches.
Será desafiador para as escolas conseguirem fazer a criança consumir esses novos alimentos, tendo em vista que a criança menor de 2 anos pode ter dificuldade para aceitar alimentos que não está acostumada a consumir. O que você acha?
Jacqueline Carvalho – Sim, pode ser desafiador já que os alunos das creches geralmente são os que mais rejeitam esses tipos de alimentos, principalmente se não tiverem o hábito de consumi-los em casa. Mas esse desafio pode ser superado através das ações de educação alimentar e nutricional que devem ser realizadas nas escolas, sendo desde a oferta de uma alimentação saudável, como também através de atividades lúdicas realizadas em sala de aula, com brincadeiras, dinâmicas, e tudo envolvendo os alimentos saudáveis. Além disso, a convivência e o exemplo fazem toda a diferença, pois os alunos tem estímulo quando vêem os outros coleguinhas comendo. A nova resolução está alinhada com o Guia Alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos, o que traz um direcionamento sobre como trabalhar com esse público.
Também hoje já é obrigatório abordar o tema alimentação e nutrição no currículo escolar, em atendimento a inclusão da educação alimentar e nutricional como tema transversal no currículo, como o papel de desempenhar ações educativas no processo de aprendizagem, na perspectiva da promoção de práticas saudáveis de vida e de segurança alimentar e nutricional, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nn 13.666/2018, e em consonância com o Marco de Referência de Educação alimentar e nutricional para as políticas publicas, que é um documento lançado pelo Ministério do Desenvolvimento Social em 2012,
MM – Em relação a alimentação oferecida para essas crianças fora do ambiente escolar, ela pode ser negativa nesse processo de aprendizagem? Ou seja, deveria haver além desse novo programa, um segundo que envolva as famílias, entrando aí em algumas questões muitas vezes de âmbito social, em que a maioria da população brasileira não tem renda para seguir uma dieta balanceada, ou você acredita que dá pra fazer?
Jacqueline Carvalho – Pode atrapalhar sim, levando em consideração que são crianças e que estão em processo de crescimento biopsicossocial.
O que sempre falo com relação a esse assunto é que, primeiro, as ações de educação alimentar e nutricional precisam ser além dos muros das escolas, ou seja, alcançar também aos pais, trazendo uma conscientização sobre a importância da alimentação saudável como, por exemplo, trazer esse tema como uma pauta das reuniões com os pais.
Já para as famílias que se encontram em situação de insegurança alimentar e nutricional, ou seja, com pouca renda para compra de alimentos, existe por exemplo o PAA, que é o Programa de Aquisição de Alimentos, realizado através de um convênio que as prefeituras fazem com o governo para implantá-lo e desenvolvê-lo em seus municípios.
Acho que seria sim possível e necessário o desenvolvimento de projetos e programas para auxiliar essas famílias.
MM – Se você pudesse se dirigir a muitos pais, qual seria a principal orientação que você daria em relação a alimentação das crianças?
Jacqueline Carvalho – Primeiro os pais precisam ter a consciência do papel que estão desempenhando na formação como educadores, de serem os principais responsáveis por formar os hábitos desses seres humanos que são seus filhos. Então, com relação a alimentação, deve-se sempre priorizar os alimentos mais saudáveis de uma forma geral e evitar de comprar guloseimas, refrigerantes, fast foods, entre outros alimentos ricos em açúcares, sal e gordura saturada. E lembrar também que eles estão sendo observados ao se alimentar na frente das crianças, então é importantíssimo saber dar o exemplo.
Uma coisa que quero incluir aqui nesse assunto é que para termos uma alimentação mais saudável no nosso dia a dia, temos que saber fazer as escolhas certas até na hora de comprar, pois se compramos frutas e verduras cheias de agrotóxicos, também estamos trazendo fatores prejudiciais à nossa saúde. Então, vamos dar preferência para comprar esses produtos dos pequenos produtores, em que conseguimos comprar produtos frescos e mais saudáveis. Um tema que aprendi que está relacionado a isso é a seguinte frase: COMER É UM ATO POLÍTICO, não no sentido de política em se tratando de governantes e partidos políticos, mas sim no sentido de como vivemos em sociedade, ou seja, no processo de escolhas que fazemos. Pois, quando escolhemos comprar itens alimentícios em grandes redes de supermercados estamos escolhendo investir nosso dinheiro naquele local, mas quando escolhemos comprar nas mãos dos pequenos produtores, por exemplo, estamos investindo em quem vai investir também na nossa cidade, pois tudo o que o produtor fizer, ele vai fazer na cidade, e com isso gerando uma dinamização e circulação de recursos no local.
MM – Agradecemos a sua contribuição.
Nutricionista expõe importância de retirar bolachas, doces e uma série de alimentos das escolas
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